terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Vamos contar uma história...

Um dia, uma noite e tudo o que era, já o havia sido, o que poderia acontecer já em si teria acontecido, mantendo-se uma ignorância, resultado de uma ingenuidade que acompanha os tempos. A perpetuidade das acções, das decisões, dos pensamentos, dos comportamentos condicionados, apesar de não noticiados, torna-se uma constante numa realidade de instantaneidade informativa, onde o espírito crítico é um atributo inferior, não normativo, tornando-se um acontecimento não-inscrito. Na negação dos pontos negativos reside a força de uma ambiência assente em parâmetros democráticos, parâmetros esses, resultados de uma procura de valores humanos que foram fomentados ao longo da história, sendo assumidos como o maior acontecimento da existência humana ao longo dos tempos.

Valores como igualdade, liberdade, verdade, foram motes de revoluções ao longo dos tempos e continuam como pilares essenciais para uma existência colectiva e individual repleta. A História, considerada por muitos como uma amiga da recordação, da memória, exerce uma rememoração cultural de uma existência global, interligada, onde é possível sempre denotar a existência de uma acção e contra reacção nos movimentos que constituem base de ideologias. Esta entidade age como um elemento regulador da consciência humana, alertando ora para caminhos já trilhados, ora para caminhos desconhecidos, apontando erros, indiciando soluções, demonstrando por observação e por registo arquivístico uma realidade passada do homem, intervencionando directamente com a memória global e mesmo pessoal.

Mas tal não pode ser considerada como um elemento infalível da memória, pois na sua base está a interpretação humana de factos escritos, um parecer que apesar de ser descrito como imparcial, na maioria das vezes, devido a um condicionamento humano que insere o individuo num colectivo com normas, não o é. A interpretação humana isola o homem na sua mente, selecciona parâmetros que julga ser os mais viáveis, dentro de sua perspectiva seleccionadora, e articula-os numa lógica, num processo ao qual realidades e factos são comparados e confrontados, resultando numa conclusão, que na mente assume-se como a mais lógica. É certo que o confrontar dos elementos escritos das épocas, da réstia visível de uma cultura que permite uma apropriação de um determinado código que pode revelar toda uma variedade de lógicas, discursos, mas estas encontram-se sempre isoladas do seu contexto, que era o seu tempo presente, vivido. O conhecimento de uma parte não possibilita o conhecimento exaustivo de um todo. Mas na sua segurança o Homem procura valores absolutos, sempre indeciso na sua ponderação, e a necessidade de factores considerados irredutíveis torna-se uma obrigatoriedade, para uma percepção e compreensão de uma realidade fragmentada passada. A própria existência confinada no tempo de cada geração incute tal necessidade de uma sobriedade histórica para uma percepção do que foi feito e percorrido na história do Homem, uma história ainda recente mas por motivos biológicos aparentada tão distante e longa.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Procura indagatória

 
"Num quarto uma ténue luz revela um estirador não de um arquitecto mas de um potencial criador na matéria tanto física como mental encontra-se um jovem. Nesse dito estirador uma mente jovem ávida procura uma saliência onde se agarrar na escalada infinita que é a vida. Nesse lugar metafórico esse jovem deambula acerca das possibilidades e necessidades de sua época, conjugando-as com uma ingénua existência que lhe confere uma experiência limitada. Mas esse facto não impossibilita uma permeabilização acerca do que consiste a realidade em que habita, nem por ventura retrai o jovem de tentar abarcar tudo da vida, aceitando tanto o bom como o mal como aspectos intrínsecos da própria realidade. Muitas noites este passa diante do seu estirador indagando, reflectindo acerca de seu caminho a percorrer, esse que lhe aparece sempre ocultado por um nevoeiro reduzindo-o ao mero cálculo mental acerca do caminho do que ele apenas vê a seus pés. A frustração avança pé ante pé nesta procura de sentido e o tempo imparável percorre para um futuro indefinido.

   Já fora na mente arquitecto, pedreiro, engenheiro, médico, limpador de rua, artista, entre muitos mais, e tudo perdera nesse jogo mental que noite após noite realiza. Não é fruto de um masoquismo a razão pela qual realiza tais expedições de identidade, mas sim por uma constante indagação reflexiva, por uma perpétua procura de definição pessoal aliada ao porquê do mundo. É nesta procura de lugar no mundo que este espectador da vida deambula, acerca da natureza da sociedade, de sua própria natureza e como ser fidedigno a estas duas realidades que se apresentam diante si. Tal indagação é genuína e verdadeira na sua procura, pois somente com o ultrapassar desta etapa este é capaz de se definir de modo a permanecer fiel a si próprio sem se perder com as incongruências da sociedade. E lá vai ele empreendendo o seu tempo nessa procura mental noites a dentro.

  É na noite, no seu zumbido ocasional de carros a percorrer a calçada de sua rua, que o jovem é induzido nesta procura epopeica, de si dentro de si mesmo. Vai retirando nessas noites aspectos que são intrinsecamente seus, e apesar de permanecer sentado nesse estirador, ele percorre planícies sem fim, montanhas gigantescas, navega por mares indomáveis, atravessa tempestades aterradoras sem fim, indiciando as velhas histórias míticas de Homero, que por este facto podemos indagá-las e problematizá-las como uma procura interior do homem. É em si mesmo que o homem realiza tais jornadas épicas, deslumbrantes no seu percurso, repletas de obstáculos que tem que ultrapassar, impregnada de pequenas ajudas que optimizam a inteiração dos seus limites e seu posterior alargamento.

 Dentro se si mesmo, o homem encontra o seu universo, o seu local de existência percorrendo sem parar milhares de quilómetros numa procura inteirada de si mesmo. E este jovem não escapa a tal destino, e nele empreende as suas noites, todas as suas forças, toda a sua ambição para uma posterior inteiração interior. Com esta inteiração pessoal o jovem arranja, pouco a pouco, forças para enfrentar o mundo, para declamar “Eu estou aqui!!!”, “Eu existo aqui!”, sem poder ser encarado como um outra cópia de outro. Noite após noite a inteiração realiza-se, noite após noite uma incessante batalha pessoal é prosseguida como partes de uma guerra que ainda está longe de acabar. Uma noite, uma outra batalha a ser disputada, um novo universo a ser descoberto, há que arregaçar as mangas e ir de frente para o campo de batalha. 

   O tempo passa, o estirador já parece um universo na sua totalidade criadora, um novo fenómeno criador como o Big Bang encontra-se continuamente a suceder, no estirador, agora com uma luz não tão ténue, é revelado um empilhamento de livros, pequenas armas de conhecimento que o jovem usa nas suas expedições definidoras, também nos é revelado escritos alguns pensamentos que indiciam uma contínua ignição nesse percorrer interior. O estirador é na sua essência perceptiva um mundo, em contínua mutação, que o jovem percorre e descobre noite após noite. Nunca permanece igual à noite anterior, os empilhamentos mudam, os livros mudam, os escritos são sobrepostos com outros escritos mais recentes, e a luz reveladora e indiciadora torna-se cada vez mais brilhante. Os carros passam na calçada tímidos, ocasionalmente, a noite abraça o tempo na sua duração e o jovem amovível permanece no estirador com fôlego intenso, num incessante mexer e remexer de folhas soltas e numa frenética apresentação escriturária.  

   O tempo passa e numa destas noites acerco perto do estirador. Encontram-se vários papéis escritos, várias ligações escritas, codificadas por uma luz brilhante da lâmpada que agora ofusca o estirador. O jovem não está lá, e pelo aspecto das coisas há já um tempo que aqui não aparece. Esta incessante luz ofusca quase na totalidade, deixando apenas ver alguns vestígios do que se encontra no estirador. Noite após noite passo por o estirador, não há paradeiro do jovem, mas a luz ofuscante encontra-se sempre ligada, sempre intensamente ofuscante. O empilhamento é sempre o mesmo, já se tornam reconhecíveis as formas dispostas dos livros e os papéis escritos lá permanecem indecifráveis face a tal luz ofuscante. Anseio por rever o jovem, espero todas as noites por sua vinda, por sua incessante procura, por sua legítima e pessoal epopeia ansioso por ver a conclusão. Mas o tempo passa, e numa destas noites com a esperança já nula sinto um toque nas costas e oiço um boas noites. É o jovem, agora já bem definido, um homem já, vivido e sereno, sorrindo com uma inabalável segurança reflectida no tom de suas palavras e na rectidão de seu corpo. Cumprimenta-me cordialmente, dirige-se ao estirador e sorri saudosamente para a disposição dos livros e dos papéis. Toca de leve nas coisas, recordando com uma memória táctil um tempo anterior, vira-se nesta direcção referindo, “Agora é a sua vez…” e cede a cadeira.
A lâmpada suaviza sua luz, torna-se ténue…"
     

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Espaço Onírico

O denominado espaço onírico assume-se como uma realidade do sonho, irreal, cativado por a potencialização dos sentidos, por o chamamento das emoções, aparenta-se sempre fragmentado, sem um inicio e sem um fim, como um tempo alienado, como uma realidade fragmentada, um momento único. Espaço de transformação, da simbologia e da emoção, este espaço sempre foi inspirador para todas as artes. 

A procura individual do ser dentro da realidade onírica leva a uma incessante procura de itens que aparecem metamorfoseados em indícios que levam o sujeito a flexibilizar as leis da realidade e descair na procura interior da significância de tais partindo de uma percepção física/mental dos mesmos. Corpo e mente fundem-se nesta realidade transcendental do espírito, nesta mescla xamânica de significado e significante onde a mente exerce sua capacidade maleável dos conceitos. Emoção distorce uma realidade em si significante, elevando uma consciência apriori dentro dos parâmetros  matéricos  e em permanente maleabilidade. 

Espaço de transformação, percorre a noite e uma ambiência psíquica onde germinam virtudes de origem. É um espaço que se retrai e é a partir desta retracção que ele se dilata e estrutura em si. Em alternância entre o finito e o infinito, é no tempo parado, cortado de qualquer referencialidade que este espaço  ocorre. Portador de uma índole de ocultação, envolve sempre a vontade, impregnando o movimento como algo cíclico, que ao mesmo tempo se afirma renovador. É na perca de horizontes que este espaço se define, como uma realidade além fronteiras, relacionando uma potência individual do ser em seu núcleo incessantemente mutável. Com a continuação do sonho, este espaço baliza imagens e símbolos que serão interpretados consoante sua acção nesta não narrativa. 

Sendo relacionado como um tempo de origem, é neste que são evidenciados desejos, potencializações emocionais e até mesmo conhecimentos inconscientes, que fabulam numa coexistência colectiva e originadora. Mas este espaço onírico tem um fim, na aproximação dos primeiros raios de luz que puxam para uma outra realidade, menos exacerbada, mais contida que é a que nos acorda dia após dia. Mas mesmo antes do acordar, o ser fabula intensamente e talvez com um grau de realidade maior os últimos rasgos dessa irrealidade onírica, aconchegada, apelativa. Esta última etapa insere o sonhador na percepção mais vivida deste espaço fabulador dos sentidos e da mente, onde as imagens assumem outro sentido, onde os cenários mudam repentinamente consoante a disposição, onde o corpo percorre livremente e sem empecilhos uma ambiência mais convidativa. Mas esta realidade de devaneios de vontade tende a acabar, para dar lugar ao real, ao perceptível no estado de consciência. É neste facto que esta realidade onírica ganha, pois o tempo é cíclico e o amanhã trará o renovar do devaneio do sonho, da noite e do repouso. E é aí, que novamente a mente se despe e inicia a travessia nos mares da imaginação, da vontade inconsciente dada por a ciclicidade temporal. O amanhã chega e o sono traz mais uma realidade, a realidade do devaneio inconsciente.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Escultura: Forma vs Ideia

"A sculptor is a person who is interested in the shape of things. " Henry Moore

Numa altura de intersecções de áreas, numa panóplia de intenções, actos e palavras é aprazível ver bem esclarecida a problemática do que define um escultor. É certo que uma contemporaneidade instituiu na arte, e especificamente na escultura uma imaterialidade, um esquema assente na apresentação invés da presentação dada por o aclamado Modernismo. Tal apresentação incentiva o uso do dispositivo, do jogo mental, do simulacro da ideia, conjugando a metáfora da linguagem verbal com a linguagem artística que tende para uma simplificação do referendo (da forma). Assim tem-se observado a uma propagação da vertente da instalação como um meio de, activamente, consciencializar um público face a problemáticas contemporâneas, normalmente de índole social, ao mesmo tempo que incentiva uma linguagem artística assente em parâmetros articuladores de formas modulares, aliados a uma valência de materiais consoante a teorização detrás de tais instalações. Ora o que é apresentado é uma articulação de uma ideia dada por uma linguagem modular que visa negar-se e portanto apresentar somente a ideia. Esta negação da matéria inscreve a escultura no domínio da imagem e do conceito. É compreensível tal deambulação nessa procura de essência da escultura mas não podemos esquecer da valência da matéria enquanto entidade criadora, enquanto elemento sugestivo aos sentidos, não somente ao olhar mas também ao tacto, que por muito tempo foi temido por a Igreja, como um factor altamente sedutor. Henry Moore inscreve bem esta problemática na sua obra, todas as suas obras escultóricas sugerem ao tacto, aliando o percorrer visual ao percorrer táctil, sugerindo uma realidade erótica aos sentidos, apelando a uma descoberta táctil e visual da obra escultórica que realça um percurso perceptivo assente no percorrer dos planos e superfícies orgânicas. Daí o interesse das formas das coisas, das formas estruturantes, orientadoras dos sentidos que cativam e aprisionam a mente incentivando a imaginação. É certo que um equilíbrio é necessário entre uma teorização escultórica e uma compreensão da componente volumétrica para uma fomentação das potencialidades da escultura, caminho esse extremamente difícil, sendo muito fácil e compreensível o descair por um dos lados. Mas tal facto é essencial para um ultrapassar de certos obstáculos/ hábitos escultóricos que impelem para uma estagnação e uma perpétua repetição de soluções escultóricas. Resumindo, um escultor tem que ser aficionado por a volumetria dos planos e por sua indagação perante o uso que quer fazer dos mesmos, de modo a potencializar a relação entre forma e ideia de um modo perceptivo evidente. Aí reside o caminho que renova a emoção na escultura, contrapondo o exacerbado racionalismo que actualmente impregna todas as ramificações da arte. Do jogo intelectual à imanência da emoção.